quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Bordel

A puta se maquiava frente ao espelho. Um cliente entra no quarto do bordel e avança até ela, beijando-lhe no pescoço. Era o advogado:

- Minha linda, que saudades!

A mulher se vira e sorri falsamente:

- Também senti sua falta, meu moreno.

Ele arrisca outro beijo, mas ela se vira.

- O que foi, querida?

- Trouxe o que eu pedi?

- Mas é claro que eu trouxe!

A puta despe o hobby transparente que estava vestindo e estica a mão para o cliente.

- Posso ver? – animou-se.

- Feche os olhos!

Ela fechou. O advogado tirou do bolso um pequeno porta-joias de veludo e colocou na mão da moça.

- Um anel de brilhantes, querida! – exclamou ele.

- Um?

- Por que o espanto, meu amor?

- E o seu anel, onde está?

- E eu lá sou homem de usar anel de brilhantes! – irritou-se.

A puta deu as costas, virando-se para o espelho. Colocou novamente o hobby transparente.

- Eu esperava dois – ela confessou – deveríamos usar como alianças! Como prova de que somos um do outro.

- Está bem, Vera. Vou comprar-me outro anel! – sentou na cama e deu duas palmadinhas do colchão, convidando-a – Agora venha aqui que eu vou te amar toda!

Ela tira novamente a roupa transparente. Senta, empina o nariz, e permite ser beijada no pescoço. Mas logo suspira e se levanta novamente.

- Quando estivermos os dois, devidamente compromissados, só me faltará um favor para que eu seja realmente tua!

Ele assusta:

- Mais um favor? Meu?

- Sim, teu. Promete que me faz?

- Sim, Vera. Tudo o que quiser!

A puta explica:

- A Beth, minha amiga, disse ter levado uma bolada na justiça depois que o advogado dela mostrou-lhe seus direitos. Nem precisou mais trabalhar!

- E eu, onde entro na história?

- Você também é advogado. Quero que me mostre os meus direitos. Na justiça!

- Mas você é...

Ela interrompeu:

- Sou trabalhadora!

- Quer direitos trabalhistas?

- Sim. Trabalhistas! – exclamou a mulher, toda pintada e esperançosa. Completou – Quando conseguir meus direitos, podemos morar juntos, quem sabe no litoral!

Ela se senta novamente na cama. O advogado tira o paletó, a gravata e desabotoa a camisa. Ela observa-o, esperando uma resposta mais conveniente. Ele promete:

- Sabe que eu posso te conseguir isso mesmo?

- No duro?

- Sim. Pensando melhor, você tem vários direitos. Como trabalha à noite, pode exigir adicional noturno. E toda vez que ficar até mais tarde, trepando feito uma louca, adquire direito às horas extras. Quando o cliente é caminhoneiro, bicheiro ou drogado, pode pleitear adicional penosidade, sem falar nos adicionais de insalubridade e periculosidade, quando o local for muito sujo ou o cliente estiver armado. Vai do risco do programa! Vou conseguir anotar a sua carteira de trabalho!

Ela se exalta e beija o homem. Fica radiante. Exclama:

- É tão bom saber que alguém reconhece o meu serviço!

- E como! – ele ri de lado.

O advogado avança com a mão até os seios dela. Tenta apalpá-la, mas ela resiste:

- Hoje não estou bem. Podemos conversar antes?

- Mais?

- Você gosta ou não de mim?

- Gosto, Vera. Claro que gosto!

Ela começa:

- O povo pensa que, porque sou puta, sou maluca – a bem da verdade que nunca reclamei muito do que faço. No começo, até gostava. Conseguia tirar um bom trocado, escolhia só empresário e mauricinho. O problema é que o nível do bordel caiu um pouco. Apareceram uns tipos estranhos por aqui. Teve um que me pediu pra vestir roupa de homem enquanto ele desabafava suas queixas. Chegam também uns tipos sujos, violentos, que me pedem para fazer umas posições estranhas. Minha cama vira um circo! Esses dias tive câimbra no meio da transa. Não tive como explicar pro coitado o que estava acontecendo, ele era surdo e mudo, pensou que eu estava me contorcendo de tesão. É complicado. O dono do ponto também anda dando preferência para as mocinhas mais novas, e o pior é que as coitadas nem conseguem fazer um bom programa. Semana passada escorreguei no box do chuveiro, caí no chão molhado; minha bunda ficou toda roxa, e todo mundo viu quando dancei no pole dance. Foi a primeira vez que me vaiaram. Cansei de fingir orgasmo. Como eu te disse, não é porque sou puta que sou louca. Na verdade, sou bem tradicional – gosto de papai-mamãe e juras de amor ao pé do ouvido!

O advogado escutou a confissão assustado, de olhos arregalados. Viu que a prostituta não fazia o seu tipo. Pensou consigo mesmo:

- Puta que quer ter seus direitos eu até aceito, mas nunca vi nenhuma dizer que prefere papai-mamãe!

Levantou-se, bateu a porta do prostíbulo, e foi embora.

Asilo

O enfermeiro caminhou pelo salão do asilo até chegar ao quarto de repouso. Percebeu no canto do cômodo uma velha cabisbaixa.
Sugeriu:
– A senhora deseja dar uma volta?
– Acha mesmo que tenho condições para isso?
– Vamos, te faço companhia.
– Você fala como se ignorasse a minha cadeira de rodas.
– E a senhora ignora o dia lindo que está lá fora.
– Bem vindo à vida, enfermeiro! Este jogo de ignorâncias rechaçadas. Há outra saída senão ignorar as coisas alheias? Não me recrimine, bípede de família e lar próprio! Respeite ao menos o meu pedido de estar em paz. Ignore-me você também, não deve ser tão difícil. Pergunte ao meu ex-marido como fazer. Ele, que me abandonara em tempos de necessidade, fazendo com que eu caísse em prantos, preocupada em esquentar-me sob os lençóis cremados. Procure minha filha e diga que, como ela, você também deseja me ignorar. Aquela ingrata deve se lembrar de como fugiu de casa, após conhecer um engenheiro da capital. A cada vez que você chega, moço, torço para que não me olhe com essa cara de piedade. Me dá vontade de cuspir-lhe à face. Finja, pelo menos, que não sou uma coitada. Faça parecer com que eu me sinta forte – como se tivesse ainda duas pernas e não me molhasse as calças. Meus ossos gemem, choram – e quem me dera chorar também! Nada mais me surpreende, rapaz. Sei dos dias em que haverá chuva e também daqueles ensolarados – como o de hoje, que você julga ser lindo. Colo o rosto à janela e observo: como são previsíveis os seres humanos! Sinto falta de quando a vida continha novidades. Tudo aqui é cinza e frio. Uma caixa de corpos fracos e pegajosos, aguardando que os ponteiros do relógio sentenciem a esperada hora. Tempestade de areia em ampulheta. E lá vou eu ser ignorada de novo – por uma amiga que morre ao lado com derrame cerebral, ou por outra, à minha direita, que me pergunta o nome a cada surto de Alzheimer. O asilo é um misto de vasculares entupidos e corações sôfregos; um labirinto em linha reta, onde se conhece a saída, mas não consegue alcança-la. E então, como se não bastasse esse dilúvio de pesares, me vêm ainda uma porção de fiéis aos pés da cadeira de rodas. Fanáticos perdidos, que rezam, choram e prometem-me vida eterna. Arre! E eu lá quero viver para sempre? Desejo morrer como uma chama que se apaga, como um vidro que se estilhaça – sem qualquer esperança de reconstituição. Quero descansar. Reze por mim, enfermeiro, e ignore a minha existência. 


Terapia


Sabe o que é, Doutor, eu não tenho nada. Não sou doente não. Minha esposa me mandou aqui. Disse ter ligado pra secretária na terça, não, na quinta, sei lá, mas não tenho nada pra falar. Não gosto muito de silêncio, se é que me entende. Nem tenho tempo pra isso; no banco é uma correria: caixa, conta, porta giratória – é tudo uma loucura. Tenho cara de louco? Então, Doutor, não é pra eu estar aqui, não senhor. Ademais, não me agrada a ideia de ficar falando sozinho. Se o senhor quiser saber da minha história, podemos muito bem marcar uma cervejinha no bar do Jair, logo ali, em cima da Igreja, sexta-feira seria ótimo. E esse jeito de conversar deitado, olhando pro teto? Quem inventou? É pra ficar reparando que o ventilador está sujo? Estranho né, Doutor, que quando novo eu costumava reparar nas coisas; agora velho, com a vista cansada, tudo parece tão igual. Minha esposa, a Ruth, vive reclamando que não reparo nela; no cabelo, na unha, na roupa. A coitada também me vem falar da vida na hora do Jornal, ou atrasa e bate com o maldito horário do jogo, puta que pariu, né Doutor, tanta coisa pra preocupar: o goleiro do meu time, a dor nas costas, o caixa no banco, e a Ruth vem me alugar justo na hora errada. Eu reparo nela sim, sei até o dia que ela vai à missa, é sempre no Domingo, Doutor. A gente até deita junto, mas eu durmo primeiro. Ela não gosta, fica brava, diz que faz questão de conversar, que é a única hora do dia que a gente tem, que de manhã é uma correria maluca pra levar os moleques pra escola. Puta que pariu, né Doutor, fico o dia inteiro naquele inferno, já até perdi dinheiro, e a vista cansada, a dor nas costas, o goleiro do meu time, e a Ruth me cobrando que eu não reparo nela, que eu durmo primeiro e que eu não levo os moleques pra escola. Já fiz muito isso, Doutor. Quando a gente casou, eu fazia o café e até buscava o pão. Mas hoje, com essa dor nas costas... O gerente do banco ta me cobrando, fica falando pra eu ficar de cara boa com os clientes porque é a nova política da empresa. Puta que pariu, política da empresa, manda o empresário vir contar dinheiro no meu lugar então. Já te disse que perdi dinheiro esses dias? Não dá, Doutor, a vista ta cansada. A propósito, já comecei a falar, o senhor não vai dizer nada? O que quer saber agora? Dos meus filhos? Já te disse que tenho filhos? Me estouram a paciência, fico puto. Uma desorganização, um descaso com a vida. Na idade deles eu já trabalhava, e ai de falar alto com alguém, tomava um tapa na boca. Mas são bonzinhos, os dois. Pelo menos não usam drogas. Filho viciado eu não aceito. O filho do Vitor, por exemplo, é um puta maconheiro – já até falei pro meu mais velho ficar longe. Educação moderna é difícil, se é que o senhor me entende. A escola mete tanto o bico que to quase entregando o mais novo pra ela cuidar. Te falei que sou casado mesmo? No papel? A Ruth é gente fina, mas não sei, não tenho mais tanto tesão, sabe Doutor. O sexo não é dos piores, mas também não faço tanta questão. Fazer amor é bom, todo mundo sabe. Mas parece companheira, amiga, sei lá. Fico meio sem graça de pedir pra ela fazer algumas coisas. Não a traio não. Mas meu olho não tem dono, se é que o senhor me entende. Não posso ver a filha do Seu Tomás da padaria que fico louco, Doutor. A menina é uma delícia. Mas não traio ela não, tadinha, imagina a Ruth, ia ficar triste demais. A Ruth esses dias deu pra falar da minha barriga, como se a dela também não tivesse crescido. Veja só, com essa dor nas costas, essa vista cansada, esses dois moleques, se eu não tomar uma cerveja no fim do dia, prefiro morrer de vez. Não tem jeito, Doutor. Estou cansado. Sinto sono o dia inteirinho. De vez em quando vou ao banheiro do banco, tranco a porta, sento na privada e tiro um cochilo. Ninguém vê, pensam que estou cagando. Não dá, Doutor, é muito sono mesmo. Minha esposa até me deu vitamina pra tomar, mas eu esqueço. Tanta coisa pra lembrar, conta de água, luz, telefone, puta que pariu. Bonito o ventilador do Senhor, já consegui reparar, é de bronze né? Se minha esposa visse, ia querer um igualzinho, haja dinheiro. Sabe, Doutor, o meu pescoço ta doendo de ficar deitado assim, vou levantar, acho que já deu, fiquei até sem graça, só eu falei, mas foi bom, Doutor, não doeu nada, com 55 anos, confesso, foi pior fazer o exame da próstata. Olha, conheci o senhor agora, mas hoje é sexta, sabe como é, tem um joelho de porco e um copo de cerveja me esperando, ali em cima da igreja, no bar do Jair, e já é tarde, não posso atrasar, o Roberto e o Armando já pediram até outra mesa, vamos comigo, Doutor, a gente passa em frente à padaria e eu te mostro a filha do Seu Tomás, uma delícia.