sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

TIPOS MASCULINOS: O MACHO ANSIOSO



Sofrer por antecipação não é pouca coisa.

O macho ansioso é um coitado; sofre até pra ganhar prêmio. No momento da aposta já se preocupa em como fará para recolher a grana sozinho – tem medo de ser assaltado.

O macho ansioso não consegue dormir de ansiedade. Acorda antes que o despertador toque e passa o dia inteiro com sono.

O macho ansioso não dança bem. Quando puxa uma mulher bonita para dançar, atrapalha-se nos passos e pisa no pé dela.

O macho ansioso bebe cerveja e não dispensa um trago no cigarro. No bar ou na porta do hospital, não recusa nada que lhe acalme os ânimos.

O macho ansioso não bate pênalti. Acredita que o goleiro acertará o canto do gol antes mesmo que ele escolha.

O macho ansioso tem manias. Conserva um sem-número de rituais que julga necessário cumprir para evitar um desastre. Atribui imensa importância à simetria das coisas e evita ao máximo o contato físico com desconhecidos – acredita que aí moram as piores doenças.

O macho ansioso reza por antecipação. Faz prece para remediar um enrosco futuro. Às vezes crê em mais de uma coisa, somente para garantir os milagres; faz sinal da cruz e grita saravá – se não for um, vai o outro.

O macho ansioso não gosta de cumprimentar semi-conhecidos, tem pânico – o ex-colega de escola, o ex-vizinho, o ex-professor, etc. Quando avista algum na rua, prontamente se põe a amarrar os cadarços, desviar o olhar ou entrar na primeira loja à vista.

O macho ansioso toma remédios. A maioria já sofreu de falta de ar na infância e fez disso um trauma, o que o levou a carregar um estoque de primeiros socorros: tem band-aid, analgésico e até remédio pra dor de barriga (ele não gosta de lugares que não têm banheiro e carrega papel higiênico no carro).

O macho ansioso tem medo de engravidar a mulher – indaga se ela toma anticoncepcional, mesmo que a pergunta lhe custe a transa. Compra camisinha com espermicida.

O macho ansioso tem lugar cativo nas seguradoras.

Quando vai sair, chega antes no restaurante – tem medo que esgotem as vagas. Leva dinheiro, cheque e cartão – na falta de um, vai o outro. A conta é sempre uma surpresa.

Quando tem compromisso, vai de taxi – o transporte público sempre atrasa e pode lhe deixar na mão, prefere não arriscar.

A vida do ansioso é uma aventura. Ele enxerga risco em avião e epidemia em multidão. Tem os nervos à flor da pele e faz disso um instrumento futurista – analisa todas as possibilidades antes mesmo que alguma aconteça. Sua vida tem mais ação do que as demais.

Ele é lírico e pensante. Seu nervosismo é uma autodefesa; sua expectativa é modelada – uma metralhadora de impressões desnecessárias, uma chuva de balas desperdiçadas. Ansiar é gastar.

O macho ansioso é confiável. Não faz mal pra ninguém, pois acredita que o universo devolve tudo em troco.

Confesso que sou ansioso, mas nem tanto.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Sobre a fragilidade de Deus e a criação do mundo - Capítulo 2


2

Tudo crescia na Terra de maneira auto organizável, cada coisa em seu lugar. Deus delimitou seu espaço no planeta, estipulando também a cada ser o seu próprio sítio. Pensou num belo jardim farpado que assegurasse seu próprio deleite e o mesmo deu-se vida. Ocupava-se do ofício de pensar e inventar e descobrir. Passou a dominar as dádivas celestes e crescia em grande escala divina a partir de cada passo. Ainda que detivesse seu próprio jardim, o mundo era todo seu, o que não fazia-o restringir a um mero cercado florestal sua determinante atuação. Terminou por criar os outros animais, que de igual zelo fez de companhia para os humanos, aqueles a quem criava com carinho estimado. Era um reino, como o daquele que pensava ser seu pai. A partir de atos reiterados e inesgotáveis levou a cabo um bom par de criações, considerando as dádivas que detinha na ponta dos dedos. Ocorre que tudo na vida é contrapeso e em quase tudo há pesar. Ainda que tivesse o controle quase absoluto sobre a criação dos corpos, cada criatura era, desde que nascida, irrenunciável – exceto pela extinção total da espécie, saída que não lhe era das mais aprazíveis. Dos seus anjos fez servos livres, criaturas divinas com consciência e pensamento, e a quem dividiu em classes distintas de acordo com as ocupações necessárias. Como em toda sociedade é necessário determinar as castas e dizer, sem medo de soberania, “cada um no seu lugar”. Sejamos felizes, pensou Deus, e com aparência de boa gente deu seguimento à vida.

Sobre a fragilidade de Deus e a criação do mundo - Capítulo 1


1

Houve um tempo em que era tudo trevas. Planícies invertidas, cardos e folhas secas. Vento e fogo dividindo o mesmo espaço, sol e lua sob o mesmo plano, encobrindo-se e escurecendo-se pela mesma reta. Uma aridez percebia ser parda aquela atmosfera, composta por um cenário de lavas, cinzas e pedras. Como num estalo, caíram na terra arcanjos, querubins e outros anjos, seguindo-se por brotar do solo um amontoado de recém-nascidos a quem chamariam de humanos. Ao contrário do que diriam os cientistas, aconteceu tudo muito rápido. Uma mutação oriunda de um estrondo, de um sem-número de raios jogados por alguém: Deus, o mais novo dos filhos de Júpiter, o bastardo, a quem não permitiram escolher seu próprio planeta, tampouco o próprio destino. Por não ter quem lhe desse nome chamaram-lhe pela espécie, era apenas Deus e pronto. Não era outra coisa, era Deus sem nome, como também ninguém dá nome aos bois nem às galinhas. Abandonaram seu pobre corpo celeste à mercê das galáxias, navegando incerto pelo universo até cair em terra firme. Era apenas uma criança quando aconteceu. Aos filhos de Júpiter foram concedidas cinco dádivas: o domínio dos astros, o domínio dos corpos, o desejo do espírito, a escolha irrenunciável e o poder da criação. Com isso em mãos, e sem o mínimo auxílio de entes celestes que lhe dissessem o que fazer, Deus percorreu a Terra, vendo brotar do nada os reflexos de seus pensamentos. Tinha as dádivas, mas não o controle. Tudo saía como num disparo, aleatoriamente criado sem o mínimo cuidado, desvencilhado de qualquer propósito. Um vulcão aqui, uma geleira acolá. Teve tonteiras e o mundo passou a rotar. Agora havia luz, porém não sem trevas. Era como se vomitasse raios e a cada carga um novo corpo surgisse. Com o sentimento de solidão vieram os anjos, com seu sentimento de culpa, nasceram os humanos. Observava tudo do alto, como um menino errante, vagando solitário pela atmosfera. Não sabia se era ele mesmo fruto de um incesto celeste ou de um estupro divino. Por que lhe teriam abandonado?  Passou a tomar força com a terra, crescendo à medida com que aumentava o tamanho do planeta. Era um deus ímpar, o único órfão, a quem não se podem cobrar quaisquer sensos de responsabilidade ante a urgente carência. Num acesso de cansaço, Deus dormiu. Nos sonhos, viu florir um jardim, mesmo sem saber o que seria ou o que significaria aquele misto multicolor até então desconhecido. Quando acordou viu nascerem todos os seres. O mundo acabara de ser criado.