quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Asilo

O enfermeiro caminhou pelo salão do asilo até chegar ao quarto de repouso. Percebeu no canto do cômodo uma velha cabisbaixa.
Sugeriu:
– A senhora deseja dar uma volta?
– Acha mesmo que tenho condições para isso?
– Vamos, te faço companhia.
– Você fala como se ignorasse a minha cadeira de rodas.
– E a senhora ignora o dia lindo que está lá fora.
– Bem vindo à vida, enfermeiro! Este jogo de ignorâncias rechaçadas. Há outra saída senão ignorar as coisas alheias? Não me recrimine, bípede de família e lar próprio! Respeite ao menos o meu pedido de estar em paz. Ignore-me você também, não deve ser tão difícil. Pergunte ao meu ex-marido como fazer. Ele, que me abandonara em tempos de necessidade, fazendo com que eu caísse em prantos, preocupada em esquentar-me sob os lençóis cremados. Procure minha filha e diga que, como ela, você também deseja me ignorar. Aquela ingrata deve se lembrar de como fugiu de casa, após conhecer um engenheiro da capital. A cada vez que você chega, moço, torço para que não me olhe com essa cara de piedade. Me dá vontade de cuspir-lhe à face. Finja, pelo menos, que não sou uma coitada. Faça parecer com que eu me sinta forte – como se tivesse ainda duas pernas e não me molhasse as calças. Meus ossos gemem, choram – e quem me dera chorar também! Nada mais me surpreende, rapaz. Sei dos dias em que haverá chuva e também daqueles ensolarados – como o de hoje, que você julga ser lindo. Colo o rosto à janela e observo: como são previsíveis os seres humanos! Sinto falta de quando a vida continha novidades. Tudo aqui é cinza e frio. Uma caixa de corpos fracos e pegajosos, aguardando que os ponteiros do relógio sentenciem a esperada hora. Tempestade de areia em ampulheta. E lá vou eu ser ignorada de novo – por uma amiga que morre ao lado com derrame cerebral, ou por outra, à minha direita, que me pergunta o nome a cada surto de Alzheimer. O asilo é um misto de vasculares entupidos e corações sôfregos; um labirinto em linha reta, onde se conhece a saída, mas não consegue alcança-la. E então, como se não bastasse esse dilúvio de pesares, me vêm ainda uma porção de fiéis aos pés da cadeira de rodas. Fanáticos perdidos, que rezam, choram e prometem-me vida eterna. Arre! E eu lá quero viver para sempre? Desejo morrer como uma chama que se apaga, como um vidro que se estilhaça – sem qualquer esperança de reconstituição. Quero descansar. Reze por mim, enfermeiro, e ignore a minha existência. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário