O enfermeiro caminhou pelo salão do
asilo até chegar ao quarto de repouso. Percebeu no canto do cômodo uma velha
cabisbaixa.
Sugeriu:
– A senhora deseja dar uma volta?
– Acha mesmo que tenho condições para
isso?
– Vamos, te faço companhia.
– Você fala como se ignorasse a minha
cadeira de rodas.
– E a senhora ignora o dia lindo que
está lá fora.
– Bem vindo à vida, enfermeiro! Este
jogo de ignorâncias rechaçadas. Há outra saída senão ignorar as coisas alheias?
Não me recrimine, bípede de família e lar próprio! Respeite ao menos o meu
pedido de estar em paz. Ignore-me você também, não deve ser tão difícil.
Pergunte ao meu ex-marido como fazer. Ele, que me abandonara em tempos de
necessidade, fazendo com que eu caísse em prantos, preocupada em esquentar-me
sob os lençóis cremados. Procure minha filha e diga que, como ela, você também
deseja me ignorar. Aquela ingrata deve se lembrar de como fugiu de casa, após
conhecer um engenheiro da capital. A cada vez que você chega, moço, torço para
que não me olhe com essa cara de piedade. Me dá vontade de cuspir-lhe à face.
Finja, pelo menos, que não sou uma coitada. Faça parecer com que eu me sinta
forte – como se tivesse ainda duas pernas e não me molhasse as calças. Meus
ossos gemem, choram – e quem me dera chorar também! Nada mais me surpreende,
rapaz. Sei dos dias em que haverá chuva e também daqueles ensolarados – como o
de hoje, que você julga ser lindo. Colo o rosto à janela e observo: como são
previsíveis os seres humanos! Sinto falta de quando a vida continha novidades.
Tudo aqui é cinza e frio. Uma caixa de corpos fracos e pegajosos, aguardando
que os ponteiros do relógio sentenciem a esperada hora. Tempestade de areia em
ampulheta. E lá vou eu ser ignorada de novo – por uma amiga que morre ao lado
com derrame cerebral, ou por outra, à minha direita, que me pergunta o nome a
cada surto de Alzheimer. O asilo é um misto de vasculares entupidos e corações
sôfregos; um labirinto em linha reta, onde se conhece a saída, mas não consegue
alcança-la. E então, como se não bastasse esse dilúvio de pesares, me vêm ainda
uma porção de fiéis aos pés da cadeira de rodas. Fanáticos perdidos, que rezam,
choram e prometem-me vida eterna. Arre! E eu lá quero viver para sempre? Desejo
morrer como uma chama que se apaga, como um vidro que se estilhaça – sem
qualquer esperança de reconstituição. Quero descansar. Reze por mim,
enfermeiro, e ignore a minha existência.
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