A manicure, atordoada pelos pensamentos
que lhe atormentavam as idéias, foi à igreja confessar suas dúvidas e pecados
espirituais. Decidiu ir à hora do almoço, pois neste tempo a fila da confissão era
menor e o alimento sagrado já tinha feito digestão no estômago divino, o que
reduziria o tamanho das penitências concedidas.
Certa de que o motivo que a levou era
pecado dos mais graves, dirigiu-se ao confessionário.
– Não sei por onde começar, Padre.
– Pois trate de ir falando dos pecados
mais inocentes.
– Não sei como... O que é inocente aos
olhos do Senhor?
– As criancinhas – disse o padre,
passando de um semblante risonho para um menos paciente – Ora, Dona Marta, não
é a sua primeira vez.
– A minha já foi há muito tempo! –
Soltou num riso, a quarentona, percebendo depois que o padre não tinha achado
graça nem atribuído um espírito esportivo à brincadeira.
– Dona Marta, o confessionário não é
lugar para piadas.
– Desculpe-me, Seu Padre.
– Pois bem. Quais são os seus pecados?
– Sua Santidade precisa mesmo saber?
Não prefere entrar num acordo de penitências, jogar-me logo uns dez rosários,
três novenas e me liberar de pronto? Prometo rezar o ato de contrição e jurar
arrependimento pelo que fiz; afinal, sou conhecida na paróquia, não ficaria legal
que, eu, senhora de família, saísse por aí dizendo aos quatro ventos o que se
passa na minha vida. Eu também não gostaria de incomodar-lhe, pessoa da mais
alta classe, de puro espírito e passado ilibado, com todas as minhas
baboseiras.
– A senhora sabe muito bem dos
procedimentos da Igreja quanto a isso, Martinha – explicou o padre, já cansado
de ouvir tanta desculpa e ao mesmo tempo curioso pelo que poderia ser motivo de
tanta represália.
– Bom, Seu Padre – e começou a manicure
– o senhor sabe que minha profissão às vezes é um pouco parecida com a sua. As
clientes chegam, se sentam, e enquanto fazem as unhas, deixam para mim uma
série de histórias.
– Isso é fofoca, Marta – interrompeu o
padre.
– Acontece que na semana passada – continuou
– a Cida do Tadeu chegou me dizendo que queria fazer as mãos. Como o salão
estava vazio, ela disse também que tinha um bafão pra me contar, história das cabeludas.
Moça direita que sou, lhe falei logo que não gosto de boatos.
– O que ela disse? – mostrou-se
interessado o padre.
– Disse que já faz um tempo vê o Carlos,
marido da sua vizinha, a Leila, saindo mais cedo de casa e voltando tarde do
serviço. Curiosa, a Cida decidiu segui-lo, e foi parar no botequim da Rua
Lituma. Para a sua surpresa, o marido vizinho não ficou muito tempo; somente o
bastante para três conhaques. Ela, que olhava de soslaio, não reparou que ele
saía pela lateral do bar, tampouco que o mesmo vinha surpreendê-la por trás com
uma fala ao pé do ouvido: “Perdida por estas bandas, Dona Cida”? Ela desculpou-se,
dizendo que tinha parentes no Bairro, e por isso caminhava por tais ruas
naquele horário. Mas o homem, não satisfeito, convidou-a para uma cerveja, que
a Cida somente aceitou por educação.
– Meu santo Deus, que perigo! –
exclamou o Padre.
– Calma, tem mais. Na saída do boteco o
garanhão ofereceu-se para acompanhar a dama, dizendo que tinha algo para lhe
mostrar no galpão do beco. Apenas por curiosidade, a Cida aceitou a oferta. Mas
como o Senhor sabe, não há luzes no galpão do beco, muito menos naquelas horas.
Ela disse não se lembrar muito bem, mas o Carlos pegou-a de jeito pelas coxas,
beijou seu pescoço, e lhe disse duas ou três safadezas das quais ela não pôde
resistir. Confessou-me tudo, somente porque estava se sentindo sufocada com
aquilo e precisava desabafar a alguém.
– Traição, que absurdo! A Dona Cida! –
disse ele, indignado – Martinha, seu pecado é fofoca, três ave-marias.
– Espere, tem mais.
– Mais? – arregalou os olhos.
– Dois dias depois, chegaram ao salão duas
clientes. A Lídia e a Patrícia. Na hora da confissão tradicional tive uma
surpresa: ambas tiveram um caso com Carlos. Mas, ao contrário da Cida, elas não
se pareceram arrependidas nem culpadas. Disseram-me que o garanhão infiel tinha
descoberto um certo Ponto G, do qual os respectivos maridos não faziam ideia.
Diante da situação, precisei me mostrar menos indignada.
– Que luxúria! Mais dois pais-nosso.
– Padre, espere.
– Conte-me mais.
– Leila, a esposa traída, foi ao salão
na quarta-feira. A extrovertida começou o diário contando a todas sobre sua
felicidade conjugal, o bom-humor de seu marido, sua fidelidade, e os presentes
que dava a ela. Perguntou-me como as coisas andavam em minha casa e disse que
eu deveria ostentar a boa situação, como ela faz. Fiquei vermelha.
– Deus Pai! E aí?
– E aí pude perceber que, enquanto ela
falava, todas as clientes riam maliciosamente, fazendo-me perceber que não
três, mas uma dezena de mulheres tinham trepado fervorosamente com Carlos.
– Dona Martinha, poupe-me destes termos!
O seu pecado ainda continua o mesmo: fofoca e luxúria.
– Mas Padre, tem mais.
– Cristo amado!
– Voltei pra casa pensando no assunto.
Fazia já muito tempo que não tinha com Júlio, meu esposo, uma noite de amor. E
o Senhor sabe que essas histórias deixam a gente afoita, com um calor que vem
de dentro e nos faz abrir as pernas e...
– Marta!
– Perdão – e continuou a quarentona –
Cheguei em casa, vesti aquela lingerie vermelha do aniversário de casamento do
ano passado, coloquei uma Champanhe
para gelar e esperei meu marido na cama. Ele chegou com uma cara de cansado, um
pouco assustado com a cena. Perguntou-me o que significava aquilo. Eu disse que
queria descobrir o Ponto G. Se todas tinham, eu também deveria ter, ainda que
um pouco escondido aqui nesse mato que anda entre as minhas virilhas.
– Que horror! Já disse que estes termos
são desnecessários aqui! – mostrou-se indignado novamente o Padre, porém
interessado no desenrolar da história – o que houve então?
– Não houve nada. Meu marido deitou-se
na cama, virou e dormiu.
– Menos mal, Dona Marta, menos mal!
Pode ir embora, reze as penitências e está perdoada.
– Padre, tem mais.
– Mais? – o padre parecia não
acreditar.
– Aquele calor que eu estava sentindo
só aumentou. Despregava o botão da saia cada vez que escutava outra história
envolvendo o garanhão infiel da Leila. Ontem fui à missa rezar para que a
luxúria se afastasse de mim e eu conseguisse, enfim, voltar à normalidade e
trabalhar em paz. Ocorre que no momento do evangelho, quando todos se atentavam
para o altar, senti um apertão na cintura e escutei ao pé do ouvido: “Preciso
falar com você.” Quando reparei, era Carlos. Desconfiei que ele me condenasse
por tudo o que eu sabia e que pediria sigilo. Fui então encontrar-lhe, somente
por curiosidade.
– Encontrar-lhe onde?
– E então – continuou ela, ignorando a
pergunta do padre – quando conseguimos um lugar discreto, onde ninguém poderia
nos observar, o desrespeitoso homem me tascou um beijo. Quando tentei resistir,
era tarde demais, sua mão já tocava no meu Ponto G. Mas foi rápido, o local só
se sujou um pouquinho.
– Pelo amor de Deus! O que é isso, Dona
Marta! – e de olhos arregalados, quis saber – mas onde foi que vocês se
amassaram?
– No confessionário. Mas não se
preocupe Padre, eu vim trazer esse paninho pra limpar onde o Senhor está
sentado.