quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Sobre a fragilidade de Deus e a criação do mundo - Capítulo 1


1

Houve um tempo em que era tudo trevas. Planícies invertidas, cardos e folhas secas. Vento e fogo dividindo o mesmo espaço, sol e lua sob o mesmo plano, encobrindo-se e escurecendo-se pela mesma reta. Uma aridez percebia ser parda aquela atmosfera, composta por um cenário de lavas, cinzas e pedras. Como num estalo, caíram na terra arcanjos, querubins e outros anjos, seguindo-se por brotar do solo um amontoado de recém-nascidos a quem chamariam de humanos. Ao contrário do que diriam os cientistas, aconteceu tudo muito rápido. Uma mutação oriunda de um estrondo, de um sem-número de raios jogados por alguém: Deus, o mais novo dos filhos de Júpiter, o bastardo, a quem não permitiram escolher seu próprio planeta, tampouco o próprio destino. Por não ter quem lhe desse nome chamaram-lhe pela espécie, era apenas Deus e pronto. Não era outra coisa, era Deus sem nome, como também ninguém dá nome aos bois nem às galinhas. Abandonaram seu pobre corpo celeste à mercê das galáxias, navegando incerto pelo universo até cair em terra firme. Era apenas uma criança quando aconteceu. Aos filhos de Júpiter foram concedidas cinco dádivas: o domínio dos astros, o domínio dos corpos, o desejo do espírito, a escolha irrenunciável e o poder da criação. Com isso em mãos, e sem o mínimo auxílio de entes celestes que lhe dissessem o que fazer, Deus percorreu a Terra, vendo brotar do nada os reflexos de seus pensamentos. Tinha as dádivas, mas não o controle. Tudo saía como num disparo, aleatoriamente criado sem o mínimo cuidado, desvencilhado de qualquer propósito. Um vulcão aqui, uma geleira acolá. Teve tonteiras e o mundo passou a rotar. Agora havia luz, porém não sem trevas. Era como se vomitasse raios e a cada carga um novo corpo surgisse. Com o sentimento de solidão vieram os anjos, com seu sentimento de culpa, nasceram os humanos. Observava tudo do alto, como um menino errante, vagando solitário pela atmosfera. Não sabia se era ele mesmo fruto de um incesto celeste ou de um estupro divino. Por que lhe teriam abandonado?  Passou a tomar força com a terra, crescendo à medida com que aumentava o tamanho do planeta. Era um deus ímpar, o único órfão, a quem não se podem cobrar quaisquer sensos de responsabilidade ante a urgente carência. Num acesso de cansaço, Deus dormiu. Nos sonhos, viu florir um jardim, mesmo sem saber o que seria ou o que significaria aquele misto multicolor até então desconhecido. Quando acordou viu nascerem todos os seres. O mundo acabara de ser criado.

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