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Houve
um tempo em que era tudo trevas. Planícies invertidas, cardos e folhas secas.
Vento e fogo dividindo o mesmo espaço, sol e lua sob o mesmo plano,
encobrindo-se e escurecendo-se pela mesma reta. Uma aridez percebia ser parda
aquela atmosfera, composta por um cenário de lavas, cinzas e pedras. Como num
estalo, caíram na terra arcanjos, querubins e outros anjos, seguindo-se por
brotar do solo um amontoado de recém-nascidos a quem chamariam de humanos. Ao
contrário do que diriam os cientistas, aconteceu tudo muito rápido. Uma mutação
oriunda de um estrondo, de um sem-número de raios jogados por alguém: Deus, o mais
novo dos filhos de Júpiter, o bastardo, a quem não permitiram escolher seu
próprio planeta, tampouco o próprio destino. Por não ter quem lhe desse nome
chamaram-lhe pela espécie, era apenas Deus e pronto. Não era outra coisa, era
Deus sem nome, como também ninguém dá nome aos bois nem às galinhas. Abandonaram
seu pobre corpo celeste à mercê das galáxias, navegando incerto pelo universo até
cair em terra firme. Era apenas uma criança quando aconteceu. Aos filhos de
Júpiter foram concedidas cinco dádivas: o domínio dos astros, o domínio dos
corpos, o desejo do espírito, a escolha irrenunciável e o poder da criação. Com
isso em mãos, e sem o mínimo auxílio de entes celestes que lhe dissessem o que
fazer, Deus percorreu a Terra, vendo brotar do nada os reflexos de seus
pensamentos. Tinha as dádivas, mas não o controle. Tudo saía como num disparo,
aleatoriamente criado sem o mínimo cuidado, desvencilhado de qualquer
propósito. Um vulcão aqui, uma geleira acolá. Teve tonteiras e o mundo passou a
rotar. Agora havia luz, porém não sem trevas. Era como se vomitasse raios e a
cada carga um novo corpo surgisse. Com o sentimento de solidão vieram os anjos,
com seu sentimento de culpa, nasceram os humanos. Observava tudo do alto, como
um menino errante, vagando solitário pela atmosfera. Não sabia se era ele mesmo
fruto de um incesto celeste ou de um estupro divino. Por que lhe teriam
abandonado? Passou a tomar força com a
terra, crescendo à medida com que aumentava o tamanho do planeta. Era um deus
ímpar, o único órfão, a quem não se podem cobrar quaisquer sensos de
responsabilidade ante a urgente carência. Num acesso de cansaço, Deus dormiu.
Nos sonhos, viu florir um jardim, mesmo sem saber o que seria ou o que significaria
aquele misto multicolor até então desconhecido. Quando acordou viu nascerem
todos os seres. O mundo acabara de ser criado.
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