segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Entre Janeiros e Dezembros


Dezembro chegou para ele como um agiota – como quem pega de volta o saldo sem se preocupar com o prejuízo. O mês levou-lhe as calças e tudo mais. Cobrou sua dignidade. Desde o dia primeiro já se cansava das listas. Por ter aparência estável, de boa renda e bom coração, ninguém lhe esperava ‘não’. O senhor pode, você quer, seria uma honra. Uma dívida é medida por concordâncias. Aceitou tudo que o destino lhe dera, como que por osmose, ainda que não fosse muito. E deu tudo à vida, distraidamente. Em meados do mês teve ciência das apostas que fez ao longo do ano. A resposta é demorada e súbita, tudo ao mesmo tempo. Por razões que desconhecia, perdeu a mulher e o negócio. Voltou para a família. É sempre estranho quem volta para a família, isso porque a família incute um sentimento de culpa no sujeito, como quem avisa antes do resultado e depois relembra o conselho. Coitado, eu avisei. Pois bem. O sujeito que parecia ter tudo e não tinha nada não se contentava em perder. Perdia e perdia. O natal era pra ele uma desculpa para encher a cara – Dionísio nasceu no mesmo dia que Jesus, vinte e cinco. Por isso afirmava que o crédito era de Baco, e não de Cristo. Sobre presentes, relevava. Havia um dispêndio compulsivo em seu ser, algo que não era próprio, mas do sangue, uma necessidade efusiva de gastar o que já não era mais dele, como o tempo, como o amor. Dos males divinos, o sangue é o pior deles. O fator sanguíneo extingue a chance de escolha, distribui aleatoriamente os aliados, os vencíveis e os invencíveis, dizendo quão grande são os obstáculos afins do destino. O espírito natalino era uma máscara, um remédio que disfarçasse todo o estrago dos meses anteriores. Dezembro era, sobretudo, uma dúvida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário