Em Dezembro todo cronista mostra a cara. É o mês da
balança; um plantão para as reflexões do dia-a-dia que se acumularam até a
chegada do ano novo. Até quem não escreve faz votos públicos por meio dos
caracteres recheados de clichês e expectativas. As timelines das redes sociais ficam
pequenas.
Quisera eu ser um Drummond e profetizar em Dezembro umas e
outras coisas belas sem deixar de reconhecer as ruins. Mas o tempo não ajuda.
Eu poderia dizer um sem-número de palavras capazes de adjetivar essa saga de
trezentos-e-sessenta-e-cinco-dias que a gente chama de ano, reclamando e
comemorando durante doze meses; mas não consigo.
Falta originalidade ao tempo. Quem sabe se o ano durasse
uma década, ter-nos-ia assuntos novos e motivos de sobra para bater no peito e
esperar o novo ciclo com um saldo positivo nos bolsos. A definição
ocidental para o tempo se limitou a um petardo de estereótipos.
Você, senhora – coroa de dois filhos, marido e presente
pra comprar – até vai conseguir entrar na academia depois da segunda semana de
Janeiro e colocar em prática uma ou outra receita da Ana Maria Braga, quando o
colega de trabalho do seu esposo for jantar na sua casa; mas não vai durar – no
máximo até Abril, quando o Fantástico explicar a farsa da sua dieta.
Você, senhor – carro financiado, barriga de chope e contas
a pagar – até vai conseguir beber menos, cortar o cigarrinho e atender ao que
sua esposa católica apostólica romana pediu na época da quaresma e da
menopausa; mas não vai durar – perderá o ritmo no primeiro churrasco antes do
sábado de aleluia.
Você, adolescente – bixo de faculdade, com namorada nova e
passado ilibado – até vai conseguir estudar, ser fiel e manter a forma e a
convicção política longe de casa; mas não vai durar – verá de camarote tudo
desabar depois da primeira cervejada da atlética e até vai achar graça nisso
tudo enquanto estiver de ressaca.
Antes do meio do novo ano todos os votos e expectativas
vão por água abaixo, escorrendo pelas mãos numa cusparada do destino. Os mais
velhos se deixam levar por não ter mais nada a perder; são traídos pelo corpo.
Os mais jovens corrompem a ideologia adotada em Dezembro ainda no começo do ano
seguinte, quando chega o carnaval. Os mais velhos prometerão castigo aos mais
novos; e estes saberão que aqueles não vão colocar a pena em prática, pois fizeram
a mesma coisa em tempos passados.
Contenho-me com os pedidos e ambições de ano novo; chego a
este sem quem era essencial em minha vida. Não encontro motivos para
comemorar réveillon, senão por poder passar vivo, de um ano para o outro.
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